Querido diário, está chovendo novamente, não que isso alguma vez tenha me incomodado, mas, a chuva me faz querer ficar quieta, e você sabe o que acontece quando eu fico em silêncio. Eu penso em coisas que não deveria. Os trovões que ecoam agora no céu, parecem ser capazes de explodir a terra, é como se inconscientemente eu sentisse o chão tremer, me chacoalhando, tentando me trazer para a realidade, mas, a realidade ultimamente tem sido a última coisa que eu quero sentir. As coisas estão complicadas.
Os raios iluminam o pôr-do-sol nublado, e, eu sinto tanto medo disso, eu prefiro estar na escuridão, eu prefiro não ver do que me machucar, é por isso que estou presa aqui, mas, esses raios insistem em atravessar a janela, eu fecho meus olhos, mas, ela ainda está lá, eu ainda posso senti-la, a realidade não pode desaparecer, eu não posso me prender ao mundo que eu criei, não o tempo todo. E isso me corrói.
Eu pensei que eu somente precisasse de alguma cor, como um guarda-chuva rosa, em uma cidade cinza chuvosa. Eu poderia caminhar com passos lentos na calçada molhada, eu não me importaria em sentir as gotas de chuva batendo contra meu corpo, eu sequer me importaria de sentir o vento frio me resfriando. Contanto que eu estivesse naquela parte colorida da cidade, contanto que eu estivesse tão feliz e brilhante que os outros não pudessem olhar para mim. Mas, eu sei que, assim como em uma reviravolta dramática, o guarda-chuva seria levado para longe por aquele vento frio, deixando-me novamente sozinha, em meio ao cinza, nua, sem cor, sem brilho, somente mais um fantoche ambulante em meio àquela cidade escura. Eu não quero ser somente mais uma sombra.
Querido diário, eu não suporto esse mundo cinza, eu não consigo suportá-lo, no início eu pensei que as pessoas não me entendiam, mas, agora eu percebo que sou eu quem não as entende. Minha existência tem sido insignificante, eu tenho medo de viver, mas, tenho medo de morrer. É possível ser feliz dessa maneira?
Eu gostaria de recomeçar, de formular um novo eu, mas, eu não consigo, isso me prende de uma maneira que eu sequer posso explicar. Eu gostaria de me aventurar, mas, eu não posso. Eu gostaria de tentar algo novo, mas, eu não consigo. Talvez eu esteja fadada a viver assim, a superar e então ser derrubada. Talvez eu deva viver esse ciclo vicioso. Mas, eu não quero.
Querido diário, eu gostaria de tomar minhas decisões, eu gostaria de correr atrás do guarda-chuva rosa, sem me importar com a chuva que passaria a encharcar meu cabelo, sem me importar se ela levaria embora a maquiagem que cobria meu rosto, eu não me importaria que a chuva levasse embora a máscara que eu criei, afinal, quando eu encontrasse o guarda-chuva eu encontraria a mim mesma. Mas, eu não posso, eu estou presa a mim mesma, e não consigo me libertar.
Querido diário, talvez essa seja a última vez que eu escreva. Eu estou cansada de viver aprisionada dessa maneira. Eu não suporto ser uma escrava de mim mesma. Eu espero que você possa fazê-los lembrar de mim. De uma maneira boa, e não como a louca que não consegue viver, que não consegue evitar seus próprios pensamentos. Eu sinto muito, mas, em minhas noites de insônia mais profundas, eu consegui imaginar. Meus sapatos desaparecem, e meus pés nus tocam o chão molhado, as gotas de chuva batem contra minha cabeça, e eu permito que elas percorram minha face e meu corpo, o guarda-chuva não está mais aqui para impedir que isso aconteça. Eu estaria tão entorpecida com meus próprios pensamentos que não me importaria com o frio, minha mente tão cheia de dúvidas e certezas ao mesmo tempo, me impediriam de ouvir os trovões, a luz não me incomodaria mais, o cinza não seria um problema. Eu encontraria a vista mais bonita, o único lugar colorido que houvesse ali, e então, só após apreciar aqueles tristes últimos segundos, eu levaria a arma que estava em minhas mãos até minha cabeça, eu sentiria seu cano tocar meu cabelo úmido, eu sentiria uma lágrima solitária correr por entre as gotas de chuva que percorriam minha face, eu sentiria meu coração batendo por uma última vez, minha respiração acelerada, diminuindo a cada segundo, meu dedo gélido seguraria o gatilho com incerteza, mas, então, no último segundo, meu braço cairia ao lado do meu corpo. E mais uma vez eu não teria coragem. A arma voltaria a ser um guarda-chuva rosa, os sapatos novamente cobririam meus pés, aquela lágrima solitária se multiplicaria, os trovões me ensurdeceriam novamente, mas, então, tudo cessaria.
A chuva calmamente iria parar, as nuvens não demorariam em dissipar-se, o sol surgiria no horizonte, calmamente desaparecendo e dando lugar à lua solitária no céu negro e estrelado.
E então eu esperaria, adiaria meu fim para o próximo dia, e quando esse chegasse, se eu ainda sentisse a mesma dor, eu adiaria novamente e novamente… então um dia, em um lindo, colorido e iluminado dia, algo aconteceria e me faria perceber que adiar meu fim valeu a pena.
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